Arquivo do autor:Victor Moletta

Sobre Victor Moletta

Desenhista por paixão, nerd por natureza. Viciado em boas histórias, leitor assíduo de Neil Gaiman, colecionador de miniaturas e jogos de tabuleiro, amante de Rock, fã de carteirinha de comida japonesa, discípulo inveterado do Coringa... e talvez um pouco insano.

A Liga do Batman


 

A liga do Batman 02Ontem estive conversando com um amigo sobre os Batmans do cinema. Se você já leu alguma coisa minha sabe que sou fã do Batman (na verdade, mais do Coringa…) e se você costumava acompanhar o Pausa pro Cafeh quando éramos mais ativos sabe que eu disse que o Ben Affleck seria o melhor Batman do cinema quando ele foi nomeado, e adivinha? Eu estava certo. Não vem me dizer que o Christian Bale foi melhor que eu faço um texto inteiro provando o quanto você está errado!

Voltando: estava eu conversando com este meu amigo e ele me perguntou o que eu achava do bat-Affleck. E eu dei meu resumo: “ficou muito próximo do Cavaleiro das Trevas do Frank Muller, você olha na cara do Affleck e vê que ele está cansado. Ele é um Batman mais velho, que está cansado de ser o Batman. Mas ele simplesmente não pode parar.”

E depois disso eu fiquei pensando sobre esse cansaço do Batman. E eu finalmente entendi uma coisa que o Zack Snyder fez que até agora eu não havia entendido: o Batman reunirá a Liga da Justiça.

Se você, como eu, é fã de Batman, ou ao menos conhece alguma coisa sobre ele, você sabe que o Batman opera sozinho. Que ele nunca gostou muito de fazer parte da Liga e se considerava um “consultor” da equipe, prestando serviço quando eles precisavam. Então por qual motivo o Batman reuniria a Liga? Isso não faz parte da personalidade do morcegão.

Mas pensa comigo: o Cavaleiro das Trevas (aquele, do Frank Muller), já havia parado de ser Batman há dez anos quando voltou para lidar com a gangue dos Mutantes e acabou ensinando aqueles caras a lutar contra o crime. Agora imagina se aqueles arruaceiros não fossem mutantes só no nome, mas tivessem mesmo superpoderes. Tá entendendo onde eu quero chegar?A liga do Batman 03

A Liga da Justiça do cinema não será apenas reunida pelo Batman. Ela será treinada pelo Batman; E não é qualquer Batman! É um Batman mais velho, que está sim cansado, mas que não pode deixar Gotham, ou o mundo todo, nas mãos de qualquer um. Ele precisa de bons substitutos.

Então, olhando por esta ótica, não só faz sentido a Liga ser reunida pelo Batman como arrisco dizer (não com tanta certeza quanto da última vez, mas arrisco) que está será a maior e melhor Liga que nós já vimos (óbvio que dependemos um pouco dos roteiristas, mas vamos acreditar que a DC vai acertar nesse detalhe).

E se você discorda com qualquer das minhas afirmações, escreve aí, estou aberto a discussões. 😉

 


Ah, o amor…

Dia dos namorados.

Parece bobo, se você parar pra pensar. Afinal, como marketeiro, tenho a dizer que é só mais uma data criada pelo capitalismo para tirar o seu dinheiro. E também digo que, se você ama – como eu amo – você deveria celebrar isso sempre que está com a pessoa que é alvo desse seu amor.

MAS

Também é muito legal ter um dia só pra isso. Passar as duas semanas anteriores programando como será, onde será, o que vão comer, comprar o presente em cima da hora (não minta, você também fez isso) e fazer uma declaração melosa no facebook, o tipo de declaração que os teus amigos solteiros não vão entender e ainda vão tirar sarro da tua cara.

O dia dos namorados é sim só mais uma data pra tirar o seu dinheiro. Publicitários do país inteiro pensam em promoções que vão chamar a sua atenção e apelar para a sua emoção. Escritores e poetas são contratados para criar pequenas frases ou poesias simples que vão chamar atenção da pessoa que as receber, principalmente porque vai ser algo único, só dela.

Mas o dia dos namorados também serve pra nos lembrar o motivo de estarmos com a pessoa que escolhemos. Pra olhar pra ela e ter certeza que é com ela que você quer ficar e, quem sabe um dia, deixar de ser namorado pra virar marido. Serve pra nos lembrar das promessas que fizemos e fazemos: pode deixar que eu vou cozinhar nos fins de semana, que não vou guardar rancor do que você gritar pra mim quando estiver naqueles dias, que vou te esperar pra assistir os novos episódios das nossas séries, que vou me esforçar, não pra te fazer feliz pelo resto da tua vida, mas pra te fazer feliz todos os dias, um dia de cada vez.

Também serve pra nos lembrar de certos detalhes do tipo… eu sei que você não gosta de ganhar chocolates, porque você gosta de lembranças, de olhar pras coisas e lembrar daquele momento. Também sei que você está com medo da nova fase pela qual estamos para passar. Mas não se preocupe tanto, vai dar tudo certo 😉 Sei que está difícil, mas estou do teu lado e vamos lutar juntos.

Bom… eu não queria fazer um texto muito meloso, mas acho que não dá pra falar do tema sem se perder nos velhos clichês… portanto use o dia de hoje pra olhar nos olhos e dizer o quanto ama. Lembre dos detalhes, eles são importantes, cumpra as promessas… elas também são importantes.

E ame. Acho que isso é o que mais importa, no final.

Quem, eu? Sim, eu amo.

E amo muito.

;*

apresentação 2 - Victor


Os Gays e o Desrespeito

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Ok, chega. Não aguento mais essa briga da comunidade LGBT VS Cristãos. Eu vou desabafar aqui mesmo!

Então tá. Aí os gays vão na parada gay e crucificam uma transexual pra dizer que a homofobia está MATANDO gente por aí e os cristãos vão à loucura. Foi exagero? Foi. Algum dos idealizadores da bagaça pensou “Vamos sacanear os cristãos!”? Provavelmente. Mas sério, eu sou cristão e isso não abala minha fé.

Então vamos lá:

Se eu sou cristão, então provavelmente discordo da homossexualidade, certo? Certo. Eu não sou gay. Mas isso não impede que um dos meus melhores e mais antigos amigos seja. E eu estou muito bem com isso, obrigado. Eu acho que ele vai queimar no inferno? Irrelevante, quem julga é Deus.

“Mas Victor, vocês dizem que a Bíblia é contra a homossexualidade.” E é. Mas também é contra o suicídio, no entanto Sansão, herói bíblico, se suicidou e é listado mais à frente no Livro Sagrado como Herói da Fé. Salvo. Não vai queimar. Então repito: quem julga é Deus.

Se você acha que todos aqueles gays/lésbicas/trans/etc vão queimar no final, então deixa eles em paz. No final vão queimar mesmo. A tua raiva contra eles vai mudar isso? Acho que não.

Agora, se como cristão você acha que eles merecem uma chance de conhecer a Deus e quer pregar a Palavra… vai lá, e convida um deles pra ir à igreja com você. Mas não xinga e grita que eles são uma abominação, tenta ser gentil, como Jesus era com assassinos e prostitutas. Porque, que eu saiba, a política de Cristo é “Vem como estás.” Você não consegue fazer isso? Uma lésbica no culto dentro da tua igreja é uma monstruosidade? Então não faz. Mas pára de xingar no facebook, que isso cansa.

critica

Ah sim… aí teve essa outra imagem aí, que postei no face com os dizeres “Agora isso sim é uma crítica bem feita.” Um monte de cristãos concordou. Mas sério? É a mesma coisa. A. Mesma. Coisa. Crianças estão morrendo e sendo abusadas todos os dias no mundo inteiro. E travestis também! E se você pensa que um travesti merece morrer pelas suas escolhas erradas e a criança não porque era inocente, então o Jesus Cristo sobre quem estudei não é o mesmo que você estudou.

E acho que é isso, por enquanto.

Obrigado, e pode descer as cortinas.

apresentação 2 - Victor


PRIMEIRO TEASER OFICIAL DE BATMAN VS SUPERMAN!

Corram!

Zack Snyder (diretor do longa Batman VS Superman: Dawn of Justice) postou hoje cedo na sua conta do twitter o primeiro teaser oficial de Batman VS Superman. E sim, eu vim aqui só pra mostrar pra vocês porque ainda não vi nem nos grandes blogs/sites por aí!

Assistam:

Falow, valew!


Neil Gaiman: Por que nosso futuro depende de bibliotecas, de leitura e de sonhar acordado

Neil Gaiman, na minha opinião o maior escritor vivo, tendo entre suas criações Sandman, Lugar Nenhum e Deuses Americanos, há algum tempo deu uma palestra sobre a importância das bibliotecas para o nosso futuro e o The Guarduan, jornal britânico, transcreveu a tal palestra que pode ser encontrada na íntegra no link abaixo.

Outros blogs já postaram uma tradução deste artigo, mas eu achei realmente importante tê-lo por aqui:

Uma palestra que explica porque usar nossa imaginação e providenciar para que outros utilizem as suas, é uma obrigação de todos os cidadãos

pelo The Guardian, em 15/10/2013

neil“Temos a obrigação de imaginar…” Neil Gaiman dá uma palestra anual à Reading Agency sobre o futuro da leitura e das bibliotecas. Fotografia: Robyn Mayes.

É importante para as pessoas dizerem de que lado estão e porque, e se elas podem ou não ser tendenciosas. Um tipo de declaração de interesse dos membros. Então eu estarei conversando com vocês sobre leitura. Direi à vocês que as bibliotecas são importantes. Vou sugerir que ler ficção, que ler por prazer, é uma das coisas mais importantes que alguém pode fazer. Vou fazer um apelo apaixonado para que as pessoas entendam o que as bibliotecas e os bibliotecários são e para que preservem ambos.

E eu sou óbvia e enormemente tendencioso: sou um escritor, muitas vezes um autor de ficção. Escrevo para crianças e adultos. Por cerca de 30 anos tenho ganhado a minha vida através das minhas palavras, principalmente por inventar as coisas e escrevê-las. Obviamente está em meu interesse que as pessoas leiam, que elas leiam ficção, que bibliotecas e bibliotecários existam para nutrir amor pela leitura e lugares onde a leitura possa ocorrer.

Então sou tendencioso como escritor. Mas eu sou muito, muito mais tendencioso como leitor. E sou ainda mais tendencioso enquanto cidadão britânico.

E estou aqui dando essa palestra hoje a noite sob os auspícios da Reading Agency: uma instituição filantrópica cuja missão é dar a todos as mesmas oportunidades na vida, ajudando as pessoas a se tornarem leitores entusiasmados e confiantes. Que apoia programas de alfabetização, bibliotecas e indivíduos e arbitrária e abertamente incentiva o ato da leitura. Porque, eles nos dizem, tudo muda quando lemos.

E é sobre essa mudança e este ato de leitura que quero falar hoje a noite. Eu quero falar sobre o que a leitura faz. O porquê de ela ser boa.

Uma vez eu estava em Nova York e ouvi uma palestra sobre a construção de prisões particulares – uma ampla indústria em crescimento nos Estados Unidos. A indústria de prisões precisa planejar o seu futuro crescimento – quantas celas precisarão? Quantos prisioneiros teremos daqui a 15 anos? E eles descobriram que poderiam prever isso muito facilmente, usando um algoritmo bastante simples, baseado em perguntar a porcentagem de crianças entre 10 e 11 anos que não conseguiam ler. E certamente não conseguiam ler por prazer.

Não é um pra um: você não pode dizer que uma sociedade alfabetizada não tenha criminalidade. Mas existem correlações bastante reais.

E eu acho que algumas destas correlações, as mais simples, vêm de algo muito simples. Pessoas alfabetizadas lêem ficção.

A ficção tem duas utilidades. Primeiramente, é uma droga que é uma porta para leituras. O desejo de saber o que acontece em seguida, de querer virar a página, a necessidade de continuar, mesmo que seja difícil, porque alguém está em perigo e você precisa saber como tudo vai acabar… Este é um desejo muito real. E te força a aprender novos mundos, a pensar novos pensamentos, a continuar. Descobrir que a leitura por si é prazerosa. Uma vez que você aprende isso, você está no caminho para ler de tudo. E a leitura é a chave. Houve um burburinho brevemente há alguns anos atrás sobre a idéia de que estávamos vivendo em um mundo pós-alfabetizado, no qual a habilidade de fazer sentido através de palavras escritas estava de alguma forma redundante, mas esses dias acabaram: as palavras são mais importantes do que jamais foram: nós navegamos o mundo com palavras, e uma vez que o mundo desliza para a web, precisamos seguir, comunicar e compreender o que estamos lendo. As pessoas que não podem entender umas às outras não podem trocar idéias, não podem se comunicar e apenas programas de tradução vão tão longe.

A forma mais simples de ter certeza de que educamos crianças alfabetizadas é ensiná-los a ler, e mostrarmos a eles que a leitura é uma atividade prazerosa. E isso significa, na sua forma mais simples, encontrar livros que eles gostem, dar a eles acesso a estes livros e deixar que eles os leiam.

Eu não acho que exista algo como um livro ruim para crianças. Vez e outra se torna moda entre alguns adultos escolher um subconjunto de livros para crianças, um gênero, talvez, ou um autor e declará-los livros ruins, livros que as crianças devem parar de ler. Eu já vi isso acontecer repetidamente; Enid Blyton foi declarado um autor ruim, R. L. Stine também, assim como dúzias de outros. Quadrinhos tem sido acusados de promover o analfabetismo.

É tosco. É arrogante e é burro. Não existem autores ruins para crianças, que as crianças gostem e queiram ler e buscar, porque cada criança é diferente. Eles podem encontrar as histórias que precisam, e eles levam a si mesmos nas histórias. Uma idéia banal e desgastada não é banal nem desgastada para eles. Esta é a primeira vez que a criança a encontrou. Não desencoraje uma criança de ler porque você acha que o que ela está lendo é errado. A ficção que você não gosta é uma rota para outros livros que você pode preferir. E nem todo mundo tem o mesmo gosto que você.

Adultos bem intencionados podem facilmente destruir o amor de uma criança pela leitura: parar de ler pra eles o que eles gostam, ou dar a eles livros ‘chatos mas que valem a pena’ que você gosta, os equivalentes “melhorados” da literatura Vitoriana do século XXI. Você acabará com uma geração convencida de que ler não é legal e pior ainda, desagradável.

Precisamos que nossas crianças entrem na escada da leitura: qualquer coisa que eles gostarem de ler irá movê-las, degrau por degrau, à alfabetização. (Além disso, não faça o que eu fiz quando a minha filha de 11 anos estava gostando de ler R. L. Stine, que foi pegar uma cópia de Carrie do Stephen King e dizer que se você gosta deste, adorará isto! Holly não leu nada além de histórias seguras de colonos em pradarias pelo resto de sua adolescência e até hoje me dá olhares tortos quando o nome de Stephen King é mencionado).

E a segunda coisa que a ficção faz é construir empatia. Quando você assiste TV ou vê um filme, você está olhando para coisas acontecendo a outras pessoas. Ficção de prosa é algo que você constrói a partir de 26 letras e um punhado de sinais de pontuação, e você, você sozinho, usando a sua imaginação, cria um mundo e o povoa e olha através dos olhos de outros. Você sente coisas, visita lugares e mundos que você jamais conheceria de outro modo. Você aprende que qualquer outra pessoa lá fora é um eu, também. Você está sendo outra pessoa e quando você volta ao seu próprio mundo, você estará levemente transformado.

Empatia é uma ferramenta para tornar pessoas em grupos, que nos permite que funcionemos como mais do que indivíduos obcecados consigo mesmos.

Você também está descobrindo algo enquanto lê que é de vital importância para fazer o seu caminho no mundo. E é isto:

O mundo não precisa ser assim. As coisas podem ser diferentes.

Eu estive na China em 2007 na primeira convenção de ficção científica e fantasia aprovada pelo partido na história da China. E em algum momento eu tomei um alto oficial de lado e perguntei a ele “Por que? A ficção científica foi reprovada por tanto tempo. Por que isso mudou?”. “É simples”, ele me disse. Os chineses eram brilhantes em fazer coisas se outras pessoas trouxessem os planos para eles. Mas eles não inovavam e não inventavam. Eles não imaginavam. Então eles mandaram uma delegação para os Estados Unidos, para a Apple, para a Microsoft, para o Google e perguntaram às pessoas de lá que estavam inventando seu próprio futuro. E descobriram que todos eles leram ficção científica quando eram meninos e meninas. A ficção pode te mostrar um outro mundo. Pode te levar para um lugar que você nunca esteve. E uma vez que você tenha visitado outros mundos, como aqueles que comeram a fruta da fada, você pode nunca mais ficar completamente satisfeito com o mundo no qual você cresceu.

Descontentamento é uma coisa boa: pessoas descontentes podem modificar e melhorar o mundo, deixá-lo melhor, deixá-lo diferente. E enquanto ainda estamos nesse assunto, eu gostaria de dizer algumas palavras sobre escapismo. Eu ouço o termo utilizado por aí como se fosse uma coisa ruim. Como se ficção “escapista” fosse um ópio barato utilizado pelos confusos, pelos tolos e pelos desiludidos e a única ficção que seja válida, para adultos ou crianças é a ficção mimética, espelhando o pior do mundo em que o leitor ou a leitora se encontra.

Se você estivesse preso em uma situação impossível, em um lugar desagradável, com pessoas que te quisessem mal e alguém te oferecesse um escape temporário, por que você não ia aceitar isso? E ficção escapista é apenas isso: ficção que abre uma porta, mostra o sol lá fora, te dá um lugar para ir onde você esteja no controle, esteja com pessoas com quem você queira estar (e livros são lugares reais, não se enganem sobre isso); e mais importante, durante o seu escape, livros também podem te dar conhecimento sobre o mundo e o seu predicamento, te dar armas, te dar armaduras: coisas reais que você pode levar de volta para a sua prisão. Habilidades, conhecimento e ferramentas que você pode utilizar para escapar de verdade.

Como J. R. R. Tolkien nos lembrou, as únicas pessoas que fazem injúrias contra o escape são prisioneiros.

Outra forma de destruir o amor de uma criança pela leitura, claro, é se assegurar de que não existam livros de nenhum tipo por perto. E não dar a elas nenhum lugar para que leiam estes livros. Eu tive sorte. Eu tive uma biblioteca local excelente enquanto eu cresci. Eu tive o tipo de pais que podiam ser persuadidos a me deixar na biblioteca no caminho do trabalho deles nas férias de verão, e o tipo de bibliotecários que não se importavam que um menino pequeno e desacompanhado ficasse na biblioteca das crianças todas as manhãs e ficasse mexendo no catálogo de cartões, procurando por livros com fantasmas ou mágica ou foguetes neles, procurando por vampiros ou detetives ou bruxas ou fantasias. E quando eu terminei de ler a biblioteca de crianças eu comecei a de adultos.

Eles eram ótimos bibliotecários. Eles gostavam de livros e eles gostavam dos livros que estavam sendo lidos. Eles me ensinaram como pedir livros das outras bibliotecas em empréstimo inter-bibliotecas. Eles não eram arrogantes em relação a nada que eu lesse. Eles pareciam apenas gostar do fato de existir esse menininho de olhos arregalados que amava ler e conversariam comigo sobre os livros que eu estava lendo, achariam pra mim outros livros em uma série deles, eles me ajudariam. Eles me tratavam como outro leitor – nem mais, nem menos – o que significa que eles me tratavam com respeito. Eu não estava acostumado a ser tratado com respeito aos oito anos de idade.

Mas as bibliotecas têm a ver com liberdade. A liberdade de ler, a liberdade de idéias, a liberdade de comunicação. Elas têm a ver com educação (que não é um processo que termina no dia que deixamos a escola ou a universidade), com entretenimento, têm a ver com criar espaços seguros e com o acesso à informação.

Eu me preocupo que no século XXI as pessoas entendam errado o que são bibliotecas e qual é o propósito delas. Se você perceber uma biblioteca como estantes com livros, pode parecer antiquado e datado em um mundo no qual a maioria, mas não todos, os livros impressos existem digitalmente. Mas pensar assim é errar o ponto fundamentalmente.

Eu acho que tem a ver com a natureza da informação. A informação tem valor, e a informação certa tem um enorme valor. Por toda a história humana, nós vivemos em escassez de informação e ter a informação desejada era sempre importante, e sempre valia alguma coisa: quando plantar sementes, onde achar as coisas, mapas e histórias e estórias – eles eram sempre bons para uma refeição e companhia. Informação era uma coisa valorosa, e aqueles que a tinham ou podiam obtê-la podiam cobrar por este serviço.

Nos últimos anos, nos mudamos de uma economia de escassez da informação para uma dirigida por um excesso de informação. De acordo com o Eric Schmidt do Google, a cada dois dias agora a raça humana cria tanta informação quanto criávamos desde o início da civilização até 2003. Isto é cerca de cinco exobytes de dados por dia, para vocês que mantém a contagem. O desafio se torna não encontrar aquela planta escassa crescendo no deserto, mas encontrar uma planta específica crescendo em uma floresta. Precisaremos de ajuda para navegar nesta informação e achar a coisa que precisamos de verdade.

Bibliotecas são lugares que pessoas vão para obter informação. Livros são apenas a ponta do iceberg da informação: eles estão lá, e bibliotecas podem fornecer livros gratuitamente e legalmente. Crianças estão emprestando livros de bibliotecas hoje mais do que nunca – livros de todos os tipos: de papel e digital e em áudio. Mas as bibliotecas também são, por exemplo, lugares onde pessoas que não tem computadores, que podem não ter conexão à internet, podem ficar online sem pagar nada: o que é imensamente importante quando a forma que você procura empregos, se candidata para entrevistas ou aplica para benefícios está cada vez mais migrando para o ambiente exclusivamente online. Bibliotecários podem ajudar estas pessoas a navegar neste mundo.

Eu não acredito que todos os livros irão ou devam migrar para as telas: como Douglas Adams uma vez me falou, mais de 20 anos antes do Kindle aparecer, um livro físico é como um tubarão. Tubarões são velhos: existiam tubarões nos oceanos antes dos dinossauros. E a razão de ainda existirem tubarões é que tubarões são melhores em serem tubarões do que qualquer outra coisa que exista. Livros físicos são durões, difíceis de destruir, resistentes à banhos, operam a luz do sol, ficam bem na sua mão: eles são bons em serem livros, e sempre existirá um lugar para eles. Eles pertencem às bibliotecas, bem como as bibliotecas já se tornaram lugares que você pode ir para ter acesso à ebooks, e audio-livros e DVDs e conteúdo na web.

Uma biblioteca é um lugar que é um repositório de informação e dá a cada cidadão acesso igualitário a ele. Isso inclui informação sobre saúde. E informação sobre saúde mental. É um espaço comunitário. É um lugar de segurança, um refúgio do mundo. É um lugar com bibliotecários. Como as bibliotecas do futuro serão é algo que deveríamos estar imaginando agora.

Alfabetização é mais importante do que nunca, nesse mundo de mensagens e e-mail, um mundo de informação escrita. Precisamos ler e escrever, precisamos de cidadãos globais que possam ler confortavelmente, compreender o que estão lendo, entender as nuances e se fazer entender.

As bibliotecas realmente são os portais para o futuro. É tão lamentável que, ao redor do mundo, nós observemos autoridades locais apropriarem-se da oportunidade de fechar bibliotecas como uma maneira fácil de poupar dinheiro, sem perceber que eles estão roubando do futuro para serem pagos hoje. Eles estão fechando os portões que deveriam ser abertos.

De acordo com um estudo recente feito pela Organization for Economic Cooperation and Development, a Inglaterra é o “único país onde o grupo de mais idade tem mais proficiência tanto em alfabetização quanto em capacidade de usar ou entender as técnicas numéricas da matemática do que o grupo mais jovem, depois de outros fatores, tais como gênero, perfis sócio-econômicos e tipo de ocupações levados em consideração”.

Colocando de outro modo, nossas crianças e netos são menos alfabetizados e menos capazes de utilizar técnicas de matemática do que nós. Eles são menos capazes de navegar o mundo, de entendê-lo e de resolver problemas. Eles podem ser mais facilmente enganados e iludidos, serão menos capazes de mudar o mundo em que se encontram, ser menos empregáveis. Todas essas coisas. E como um país, a Inglaterra ficará para trás em relação a outras nações desenvolvidas porque faltará mão de obra especializada.

Livros são a forma com a qual nós nos comunicamos com os mortos. A forma que aprendemos lições com aqueles que não estão mais entre nós, que a humanidade se construiu, progrediu, fez com que o conhecimento fosse incremental ao invés de algo que precise ser reaprendido, de novo e de novo. Existem contos que são mais velhos que alguns países, contos que sobreviveram às culturas e aos prédios nos quais eles foram contados pela primeira vez.

Eu acho que nós temos responsabilidades com o futuro. Responsabilidades e obrigações com as crianças, com os adultos que essas crianças se tornarão, com o mundo que eles habitarão. Todos nós – enquanto leitores, escritores, cidadãos – temos obrigações. Pensei em tentar explicitar algumas dessas obrigações aqui.

Eu acredito que temos uma obrigação de ler por prazer, em lugares públicos e privados. Se lermos por prazer, se outros nos verem lendo, então nós aprendemos, exercitamos nossas imaginações. Mostramos aos outros que ler é uma coisa boa.

Temos a obrigação de apoiar bibliotecas. De usar bibliotecas, de encorajar outras pessoas a utilizarem bibliotecas, de protestar contra o fechamento de bibliotecas. Se você não valoriza bibliotecas então você não valoriza informação ou cultura ou sabedoria. Você está silenciando as vozes do passado e você está prejudicando o futuro.

Temos a obrigação de ler em voz alta para nossas crianças. De ler pra elas coisas que elas gostem. De ler pra elas histórias das quais já estamos cansados. Fazer as vozes, fazer com que seja interessante e não parar de ler pra elas apenas porque elas já aprenderam a ler sozinhas. Use o tempo de leitura em voz alta para um momento de aproximação, como um tempo onde não se fique checando o telefone, quando as distrações do mundo são postas de lado.

Temos a obrigação de usar a linguagem. De nos esforçarmos: descobrir o que as palavras significam e como empregá-las, nos comunicarmos claramente, de dizer o que estamos querendo dizer. Não devemos tentar congelar a linguagem, ou fingir que é uma coisa morta que deve ser reverenciada, mas devemos usá-la como algo vivo, que flui, que empresta palavras, que permite que significados e pronúncias mudem com o tempo.

Nós escritores – e especialmente escritores para crianças, mas todos os escritores – temos uma obrigação com nossos leitores: é a obrigação de escrever coisas verdadeiras, especialmente importantes quando estamos criando contos de pessoas que não existem em lugares que nunca existiram – entender que a verdade não está no que acontece mas no que ela nos diz sobre quem somos. A ficção é a mentira que diz a verdade, afinal. Temos a obrigação de não entediar nossos leitores, mas fazê-los sentir a necessidade de virar as páginas. Uma das melhores curas para um leitor relutante, afinal, é uma estória que eles não são capazes de parar de ler. E enquanto nós precisamos contar a nossos leitores coisas verdadeiras e dar a ele armas e dar a eles armaduras e passar a eles qualquer sabedoria que recolhemos em nossa curta estadia nesse mundo verde, nós temos a obrigação de não pregar, não ensinar, não forçar mensagens e morais pré-digeridas goela abaixo em nossos leitores como pássaros adultos alimentando seus bebês com vermes pré-mastigados; e nós temos a obrigação de nunca, em nenhuma circunstância, escrever nada para crianças que nós mesmos não gostaríamos de ler.

Temos a obrigação de entender e reconhecer que enquanto escritores para crianças nós estamos fazendo um trabalho importante, porque se nós estragarmos isso e escrevermos livros chatos que distanciam as crianças da leitura e de livros, nós estaremos menosprezando o nosso próprio futuro e diminuindo o deles.

Todos nós – adultos e crianças, escritores e leitores – temos a obrigação de sonhar acordados. Temos a obrigação de imaginar. É fácil fingir que ninguém pode mudar coisa alguma, que estamos num mundo no qual a sociedade é enorme e que o indivíduo é menos que nada: um átomo numa parede, um grão de arroz num arrozal. Mas a verdade é que indivíduos mudam o seu próprio mundo de novo e de novo, indivíduos fazem o futuro e eles fazem isso porque imaginam que as coisas podem ser diferentes.

Olhe à sua volta: eu falo sério. Pare por um momento e olhe em volta da sala em que você está. Eu vou dizer algo tão óbvio que a tendência é que seja esquecido. É isto: que tudo o que você vê, incluindo as paredes, foi, em algum momento, imaginado. Alguém decidiu que era mais fácil sentar numa cadeira do que no chão e imaginou a cadeira. Alguém tinha que imaginar uma forma que eu pudesse falar com vocês em Londres agora mesmo sem que todos ficássemos tomando uma chuva. Este quarto e as coisas nele, e todas as outras coisas nesse prédio, esta cidade, existem porque, de novo e de novo e de novo as pessoas imaginaram coisas.

Temos a obrigação de fazer com que as coisas sejam belas. Não de deixar o mundo mais feio do que já encontramos, não de esvaziar os oceanos, não de deixar nossos problemas para a próxima geração. Temos a obrigação de limpar tudo o que sujamos, e não deixar nossas crianças com um mundo que nós desarrumamos, vilipendiamos e aleijamos de forma míope.

Temos a obrigação de dizer aos nossos políticos o que queremos, votar contra políticos ou quaisquer partidos que não compreendem o valor da leitura na criação de cidadãos decentes, que não querem agir para preservar e proteger o conhecimento e encorajar a alfabetização. Esta não é uma questão de partidos políticos. Esta é uma questão de humanidade em comum.

Uma vez perguntaram a Albert Einstein como ele poderia tornar nossas crianças inteligentes. A resposta dele foi simples e sábia. “Se você quer que crianças sejam inteligentes”, ele disse, “leiam contos de fadas para elas. Se você quer que elas sejam mais inteligentes, leia mais contos de fadas para elas”. Ele entendeu o valor da leitura e da imaginação. Eu espero que possamos dar às nossas crianças um mundo no qual elas possam ler, e que leiam para elas, e imaginar e compreender.

  • Esta é uma versão editada da palestra do Neil Gaiman para a Reading Agency, realizada dia 14 de outubro de 2013 (segunda-feira) no Barbican em Londres. A série anual de palestras da Reading Agency começou em 2012 como uma plataforma para que escritores e pensadores compartilhassem ideias originais e desafiadoras sobre a leitura e as bibliotecas.

Inception e Sucker Punch – aposto que você não entendeu – part.2

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(e agora a continuação)…

Quando saiu, Sucker Punch foi super criticado. Se você assistiu ao filme, sabe que é cheio de garotas lindas, com roupas provocantes, lutando com espadas e armas de fogo em cenários como um templo no Japão feudal, um campo de batalha da Primeira Guerra, um castelo de fantasia medieval com direito a orcs e dragões, uma cidade futurista povoada por robôs e uma boate, onde essas garotas lindas precisam dançar…

Tudo isso só faz sentido porque se passa dentro da cabeça da personagem principal, Baby Doll (Emily Browning) enquanto ela está, na verdade, internada em um hospício.

Por que o filme foi tão criticado? Porque, pelo que você acabou de ler no meu resumo, o filme se resume a fantasias de um garoto de quatorze anos, explorando o corpo de belas garotas e colocando-as nas suas histórias malucas, como se fossem meros objetos. E se você também pensa assim, eu afirmo: você não entendeu Sucker Punch.

A começar por dois pontos principais: nenhuma cena no filme é real, tudo está dentro da cabeça da personagem principal. E aqui está o segundo ponto: a personagem principal não é a Baby Doll, mas a Sweet Pea (Abbie Cornish).

Consegui sua atenção? Ótimo. Vamos iniciar do princípio: ato um. O filme começa mostrando a história de Baby Doll, como a mãe dela morreu, deixou tudo para as duas filhas, irando o padrasto alcoólatra que decide se vingar abusando dela. Ao perceber que ela é mais forte do que parece, ele decide se voltar para a irmã mais nova, gerando um pânico em Baby Doll, que pega a arma do padrasto e, numa tentativa de alvejá-lo, acaba matando a própria irmã. Motivo mais do que suficiente para o padrasto interná-la, sob o pretexto de a morte da mãe tê-la deixado violenta, e subornar um enfermeiro corrupto para que ela logo fosse lobotomizada. Entrando no manicômio, ela vê Sweet Pea sentada em uma cama, em cima de um palco, fazendo tratamento psicológico. E você está se perguntando “e daí?” certo? Preste um pouco mais de atenção na primeira cena do filme. Ela começa com a Baby Doll sentada em sua cama, no seu quarto, esperando a notícia sobre sua mãe. E este quarto, e esta cama, estão sobre um palco de teatro. Exatamente como a cena em que Sweet Pea aparece. É a mesma cena. Sweet Pea está mesmo fazendo seu tratamento, e lembrando como ela foi parar naquele lugar. Mas nem mesmo a cena em que ela aparece é real, pois nessa cena Rocket (Jena Malone), sua irmã mais nova, aparece ao lado das outras meninas do filme. Se a Sweet Pea está se lembrando de como chegou no hospício, Rocket deveria estar morta.

“Ok, Victor. Até que você deu uns bons argumentos, mas porque a Sweet Pea aparece em suas lembranças com outra aparência, a de Baby Doll?” Porque, pequeno gafanhoto, Baby Doll é o Tyler Durden – eu sei que você não precisa dessa explicação, mas ele é de Fight Club – de Sweet Pea. Ela é quem Sweet Pea gostaria de ser. Bonita, inocente, e forte o suficiente para lutar contra o sistema. Baby Doll também é o anjo de que Sweet Pea fala no começo e no fim do filme, enquanto define tudo que está acontecendo: “Todo mundo tem um anjo. Um guardião que nos protege. Não podemos saber que forma vão tomar. Um dia, um velho. No outro, uma garotinha. Mas não deixe as aparências enganá-lo. Eles podem ser tão cruéis como qualquer dragão. Eles não estão aqui para lutar nossas batalhas, mas para sussurrar em nossos corações. Lembrando que somos nós. Somos cada um de nós que tem o poder sobre os mundos que criamos.” Só isso já deveria ser o suficiente pra você saber que o que tá rolando é um desses “mundos que criamos”, mas é óbvio que não é assim tão simples. Sweet Pea continua: “Podemos negar que nossos anjos existam… Nos convencer de que não podem ser reais… Mas eles aparecem de qualquer maneira. Em lugares estranhos. Em tempos estranhos. Podem falar através de qualquer personagem que possamos imaginar. Gritarão através de demônios se precisarem… Nos chamando… Nos desafiando a lutar.” Essa parte foi pra você saber que Baby Doll é uma criação da mente Sweet Pea, e no fim do filme ela termina: “Quem honra aqueles que amamos pela vida que vivemos? Quem envia monstros para nos matar… E, ao mesmo tempo, canta que nunca vamos morrer? Quem nos ensina o que é real e como rir das mentiras? Quem decide quem vai viver ou morrer nos defendendo? Quem nos acorrenta? E quem tem a chave que pode nos libertar?  Você tem todas as armas de que precisa. Agora lute!” E por fim, ela mostra que escolheu quem morreria e viveria durante sua história épica.

Se isso não foi o suficiente pra te convencer de que é tudo fantasia, eu te apresentarei mais provas enquanto vou discutindo o filme.sucker-punch-3

Bom, Baby Doll chega no hospício e conforme é carregada de um lado para o outro a câmera foca em objetos que não parecem ter nenhuma importância: a faca do cozinbeiro, o isqueiro do porteiro, a planta baixa do hospício e a chave no pescoço de Blue Jones (Oscar Isaac), que depois descobrimos atuar como líder entre os enfermeiros e abusar das internas.

Baby Doll é levada para o procedimento de lobotomia com um médico especialista. E é aqui que o filme vira de ponta-cabeça. De repente elas não estão mais no hospício, e sim em uma boate. Sweet Pea está no mesmo palco de antes (se você prestar atenção perceberá que o prédio do hospício e o prédio da boate são o mesmo, apenas decorado diferente), mas agora está ensaiando uma performance para apresentar na boate, performance na qual ela sofre uma lobotomia. Baby Doll está ali, sendo apresentada novamente, e agora os personagens de antes estão levemente mudados para se encaixar no cenário, mas as funções são as mesmas. Por que Sweet Pea cria a boate na cabeça dela? Simples, como eu já disse antes, Baby Doll é a Sweet Pea “versão 2.0” e esse é o jeito como a Sweet Pea gostaria de enfrentar a sua realidade, mas ela não possui a força necessária, já a Baby Doll possui.

Baby Doll é apresentada à boate e descobre que está sendo guardada para o High Roller (Jon Hamm) que chegará em cinco dias, curiosamente o mesmo tempo em que o médico chegaria pra fazer a lobotomia, lá no hospício.

Na primeira vez que ela precisa dançar, ela se vê em outro lugar, no Japão feudal, onde encontra o seu anjo (Scott Glenn), aquele velho que a aconselha. Ele diz que ela vai precisar de cinco itens par fugir; uma faca, uma mapa, fogo, uma chave – os itens nos quais a câmera focou quando ela andava pelo hospício – e a última coisa ela teria que descobrir sozinha. Esse mesmo velho aparece toda vez que ela dança e se vê em outra realidade, aconselhando-as, porém nunca falando algo realmente útil.

Eu só queria chamar a sua atenção para um detalhe aqui: na cena que elas vão para a Primeira Guerra, Sweet Pea nota o rosto de um garoto ferido. Lembre-se disso.

Bom, você lembra o que acontece no filme. Obviamente, Rocket precisava morrer, pois como vimos mais cedo, ela já estava morta há muito tempo. Amber (Jamie Chung) e Blondie (Vanessa Hudgens) são assassinadas, pois são criações da mente de Sweet Pea, as únicas que realmente importam são Sweet Pea e Baby Doll.

sucker-punch01Utilizando os quatro itens as duas conseguem fugir, mas ao chegar à frente da boate elas percebem que não vão conseguir sair da boate porque a frente do prédio está cheia de homens esperando para entrar. Por alguns segundos elas se desesperam, e então Baby Doll entende que o seu anjo (o velho sábio) estava se referindo a ela como a quinta coisa que elas precisariam. Ela entende que a história não é sobre ela, e sim sobre Sweet Pea. Ela é apenas o anjo. Baby Doll decide enfrentar os homens e criar uma distração para que Sweet Pea possa fugir. E ela consegue.

Bom, aqui rola uma coisa muito importante. Há uma cena deletada… Baby Doll é levada para o quarto do High Roller. Sim, ela encontrou com ele e esta cena é muito importante para o filme, você pode encontrá-la legendada no youtube. Bom, resumindo, o High Roller se mostra um legítimo cavalheiro, não a força a nada, e conta um segredo pra ela. Ele diz estar em busca de um momento de realidade. Se ele fizesse o que todos esperam, e a forçasse a ficar com ele, não haveria nada de verdadeiro no ato. Portanto a escolha é completamente dela se vai ou não ficar com ele. High Roller diz a ela não apenas que só vai rolar se ela quiser, mas também que ela manda em si mesma. Que ninguém tem o direito de tirar isso dela e que, se ela quiser, ele a liberta da boate ali mesmo e ela nem precisa ficar com ele. Bom, ela acaba gostando do rapaz e fica com ele enquanto Sweet Pea encontra umas roupas secando em um varal e as “empresta”.

O filme acaba voltando à cena da lobotomia, com o médico (que é também o High Roller) dizendo que parecia que ela queria aquilo, que ela estava feliz sozinha dentro da sua cabeça.

E aqui vem o final feliz: a Dra. Gorski (Carla Gugino) descobre as falcatruas de Blue e chama a polícia para prendê-lo enquanto vemos a cara de satisfação de uma Baby Doll lobotomizada. Enquanto isso, Sweet Pea entra em um ônibus e foge, feliz da vida, certo? Errado!

Preste muita atenção aqui: tudo acontece como Sweet Pea gostaria que acontecesse: Blue é preso, ela faz aquilo que mais tinha medo (ficar com o High Roller/ser lobotomizada) enfrentando seus medos e ainda consegue fugir, não do hospício, mas para dentro de sua própria mente. Se você prestar atenção na cena final do filme, verá que Baby Doll está lá, sem nenhuma reação com aquela cara de sarisfação plena quando a cena muda para a Sweet Pea chegando à rodoviária, certo? Mas e se a cena não está saindo do hosício e sim entrando mais profundamente na cabeça dela? A maneira como uma cena leva à outra até parece isso, dá a impressão que a camera está “entrando” na cabeça de Baby Doll no momento em que Sweet Pea chega à rodoviária.

E então as últimas provas de que tudo está na cabeça de Sweet Pea: ela vê o mesmo menino que havia notado lá na cena da Primeira Guerra (lembra?) subindo para o ônibus. Esse menino só está aqui para te mostrar que nada é real. Nem o hospício, e nem a rodoviária. Quando ela entra no ônibus ela vê o motorista, que é o mesmo homem sábio, anjo de Baby Doll (que deveria estar dentro da cabeça da Baby Doll… que coisa, não?). E ele ainda fala: “Esta jovem esteve no ônibus durante toda a viagem. E mais uma coisa: Ela adorou TODO o passeio.” Sim, ele estava falando sobre o filme, todo o passeio = todo o filme. Ele ainda diz pra ela que sabe que ela não tem passagem, que ela pode sentar lá no fundo e decansar, porque “temos um longo caminho pela frente”.

Ou melhor: Sweet Pea foi lobotomizada e está vivendo feliz dentro da sua cabeça. Ela só contoou toda essa história pra si mesma, pra tentar dar um significado pra isso. NADA do filme é real, é tudinho fantasia da Sweet Pea.

E eu queria dizer mais uma coisa: mesmo depois de eu ter escrito tudo isso vai ter gente falando que o filme pode ser inteligente, mas não muda o fato de que Sucker Punch é machista. Se você está nesse grupo, desculpe, mas você está errado de novo.

Durante o filme nós podemos ver três “camadas de realidade”, o hospício, a boate e os momentos fantásticos em cenários surreais. Nessas três camadas, ou nesses três momentos, vemos três cenários diferentes contando a história de como as mulheres se tornaram mais fortes com o passar dos anos.

Primeiro o hospício. Os homens dominam, todas as internas são mulheres e a única médica que está entre eles é de outro continente, e podemos ver como Blue zomba de seus métodos no começo do filme.

Depois vem a boate. Aqui as mulheres não são mais tratadas tão mal, elas já recebem para ser objetificadas, e também há todo o glamour das apresentações na boate. Os funcionários precisam respeitá-las (menos o chefão Blue, é claro) e os clientes precisam idolatrá-las.

E por último vêm as cenas fantásticas. Onde elas possuem todo o poder, são rápidas, fortes e inteligentes. Zack Snyder quis mostrar um pouco sobre a evolução das mulheres em um aspecto que não estamos acostumados a ver: nas histórias em quadrinhos. Porque agora existem quadrinhos sobre garotas e para garotas. E quanto às roupas, elas estão lá pra mostrar que mulheres poderosas se vestem da maneira que bem entendem, não importa a situação.

Agora sim você pode ir lá e reassistir aos filmes.

Deixe seu comentário se concorda ou não com esse monte de coisa que escrevi aqui.

apresentação 2 - Victor


Inception e Sucker Punch – aposto que você não entendeu!

Olá. Hoje quero falar de dois filmes antigos (ou nem tanto), e se você não assistiu Inception – A Origem – (2010) ou Sucker Punch – Mundo Surreal (2011) sugiro que vá assisti-los antes de ler esse texto. ATENÇÃO, SE VOCÊ NÃO ASSISTIU OS FILMES ESSE TEXTO CONTÉM SPOILERSinception_totem_wallpaper_by_accounted-d30s1t6

 

 

Por que eu vou falar desses dois filmes que já esgotaram as discussões na época em que saíram? Porque, ao que parece, as discussões não esgotaram. Tenho visto, de vez em quando, discussões sobre esses filmes reaparecendo, e parece que poucas pessoas possuem a mesma visão que eu tenho sobre eles.

Então vamos lá, começando por Inception. Só pra lembrá-los: Inception é um filme no qual Dom Cobb (Leonardo Di Caprio) e seu fiel amigo Arthur (Joseph Gordon-Levitt) conseguem entrar nos sonhos das pessoas. Eles usam essa habilidade para roubar idéias de um empresário qualquer e vendê-las para seus concorrentes. A trama do filme se passa em torno do fato de que o atual empresário que os contrata não quer roubar a idéia de um concorrente, mas plantar uma idéia. O que é muito mais difícil.

Durante o filme somos apresentados a vários outros personagens, cada um com uma habilidade singular e necessária para a Inserção (por que não traduziram o título assim?). Aprendemos também que depois de um tempo entrando nos sonhos das pessoas, perde-se a noção de realidade. Não tem como saber se você está sonhando, ou se está acordado. E é pra isso que servem os totens.

Você lembra dos totens? É graças a um totem que existe toda a dúvida e discussão sobre o filme. Mas vamos lá: O que é um totem? É um objeto pequeno o suficiente pra caber no seu bolso. Ele deve ser feito por você. Só você deve conhecer suas dimensões exatas, e como ele funciona. Um dado viciado, um pingente e um peão são exemplos de totens. Durante o filme Cobb utiliza como totem um peão. E no final do filme ele gira o peão antes de encontrar seus filhos que ele não vê há meses, mas ele não fica pra ver se o peão vai ou não cair. E o filme acaba antes de o peão parar de girar, mas ele dá umas falseadas, o que gera a discussão: ele estava ou não preso em um sonho no final do filme?

O único problema de tudo isso é que o peão em questão era o totem da falecida esposa de Cobb, Mal. Mas o totem não deveria ser pessoal e intransferível? Então como ele usa o totem de outra pessoa? Ele não usa! E aqui é que está a real resposta do filme. Dentro da cabeça de Cobb as lembranças que ele tem da Mal a mantém viva. E ela aparece pra atrapalhar os planos deles em vários momentos dentro dos sonhos, lembra? Pois é. O que significa que dentro da cabeça distorcida do Sr. Dom Cobb ele ainda é casado, portanto usa aliança. Mas no mundo real, fora dos sonhos, ele é viúvo. Portanto ele não usa aliança. E esse é o totem de Cobb: a aliança de casamento. Quando ele está com ela, está sonhando. Quando está sem ela, está acordado… Pode ir reassistir o filme agora, e tirar suas próprias conclusões sobre o final.
Mas espere! Ainda temos que falar sobre Sucker Punch.Revised Sucker Quad Proof_P1

 

CONTINUA…

 

 

apresentação 2 - Victor

 


Je ne suis pas Charlie

Aí alguns chargistas decidiram fazer piada. Afinal são defensores da liberdade de expressão. Acontece qucharge-1e uns terroristas não gostaram da brincadeira que fizeram com sua religião e mataram os tais chargistas. No mundo inteiro apareceram placas, fotos de perfis nas redes sociais e gente compartilhando “Je suis Charlie” ou “Eu sou Charlie”, em defesa da vida desses cartunistas.

Vamos deixar algo bem claro, sou totalmente contra atos de terrorismo, assassinatos e a violência desmedida causada pelos mesmos. Dito isso também repito um ato menor, mas também expressivo: “Je ne suis pas Charlie”!

Não, não sou Charlie. Antes de afirmar que concorda plenamente com as charges de Charlie Hebdo e dizer por aí que é Charlie, peço apenas que você dê uma olhada nas charges deles. Ao analisar um pouco da obra da Charlie Hebdo ela se mostra uma revista racista, machista, homofóbica e que desrespeita a qualquer religião alheia em um nível que nunca presenciado antes.

Você ficou revoltado quando jogaram uma banana para Daniel Alves no meio do jogo? Pois a Charlie Hebdo foi a um nível muito maior e retratou várias vezes a ministra da justiça da França, Christiane Taubira, negra, como uma macaca.  E esse é apenas um exemplo.

Ah, mas os chargistas são ateus? Ok, defendam o ateísmo, façam charges mostrando a inteligência de Darwin, mas não precisa desenhar nada ofensivo que ataque a nenhuma religião, como por exemplo a charge retratada nesse texto em que Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo estão transando. Há necessidade disso pra liberdade de charlie6expressão? Precisa mesmo?

Então me desculpem. Sei que sou homem, branco, heterossexual e religioso e isso vai gerar comentários de alguma forma, mas respeito e apoio a luta feminista por direitos iguais, respeito a orientação sexual, respeito a religião escolhida por cada um ou o fato de ser ateu. E sendo estes meus princípios, não posso ser a favor de tais charges.

Eu não sou, nem nunca serei Charlie Hebdo.apresentação 2 - Victor


Vísceras – um conto realmente perturbador

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Chuck Palahniuk

Chuck Palahniuk, o autor de Clube da Luta, escreveu em 2005 o conto Vísceras, provavelmente o conto mais perturbador que você lerá na vida.

Se você tem estômago fraco aconselho parar a leitura por aqui. Para que você entenda um pouco melhor, durante as sessões de leitura do conto, em uma turnê que Palahniuk fez nos Estados Unidos e Grã-Bretanha, um total de 67 pessoas desmaiaram.

Agora, se você ler e não achar nada demais, ou divertido, talvez seja bom considerar buscar ajuda psiquiátrica. Ou talvez você seja hora de começar a escrever. Quem sabe você não tem um Palahniuk dentro de você?

Com vocês, de Palahniuk,

Vísceras

Inspire.

Inspire o máximo de ar que conseguir. Essa história deve durar aproximadamente o tempo que você consegue segurar sua respiração, e um pouco mais. Então escute o mais rápido que puder.

Um amigo meu aos 13 anos ouviu falar sobre “fio-terra”. Isso é quando alguém enfia um consolo na bunda. Estimule a próstata o suficiente, e os rumores dizem que você pode ter orgasmos explosivos sem usar as mãos. Nessa idade, esse amigo é um pequeno maníaco sexual. Ele está sempre buscando uma melhor forma de gozar. Ele sai para comprar uma cenoura e lubrificante. Para conduzir uma pesquisa particular. Ele então imagina como seria a cena no caixa do supermercado, a solitária cenoura e o lubrificante percorrendo pela esteira o caminho até o atendente no caixa. Todos os clientes esperando na fila, observando. Todos vendo a grande noite que ele preparou.

Então, esse amigo compra leite, ovos, açúcar e uma cenoura, todos os ingredientes para um bolo de cenoura. E vaselina.

Como se ele fosse para casa enfiar um bolo de cenoura no rabo.

Em casa, ele corta a ponta da cenoura com um alicate. Ele a lubrifica e desce seu traseiro por ela. Então, nada. Nenhum orgasmo. Nada acontece, exceto pela dor.

Então, esse garoto, a mãe dele grita dizendo que é a hora da janta. Ela diz para descer, naquele momento.Ilustração do Conto Vísceras

Ele remove a cenoura e coloca a coisa pegajosa e imunda no meio das roupas sujas debaixo da cama.

Depois do jantar, ele procura pela cenoura, e não está mais lá. Todas as suas roupas sujas, enquanto ele jantava, foram recolhidas por sua mãe para lavá-las. Não havia como ela não encontrar a cenoura, cuidadosamente esculpida com uma faca da cozinha, ainda lustrosa de lubrificante e fedorenta.

Esse amigo meu, ele espera por meses na surdina, esperando que seus pais o confrontem. E eles nunca fazem isso. Nunca. Mesmo agora que ele cresceu, aquela cenoura invisível aparece em toda ceia de Natal, em toda festa de aniversário. Em toda caça de ovos de páscoa com seus filhos, os netos de seus pais, aquela cenoura fantasma paira por sobre todos eles. Isso é algo vergonhoso demais para dar um nome.

As pessoas na França possuem uma expressão: “sagacidade de escadas.” Em francês: esprit de l’escalier. Representa aquele momento em que você encontra a resposta, mas é tarde demais. Digamos que você está numa festa e alguém o insulta. Você precisa dizer algo. Então sob pressão, com todos olhando, você diz algo estúpido. Mas no momento em que sai da festa… enquanto você desce as escadas, então – mágica. Você pensa na coisa mais perfeita que poderia ter dito. A réplica mais avassaladora.

Esse é o espírito da escada.

O problema é que até mesmo os franceses não possuem uma expressão para as coisas estúpidas que você diz sob pressão. Essas coisas estúpidas e desesperadas que você pensa ou faz.

Alguns atos são baixos demais para receberem um nome. Baixos demais para serem discutidos.

Agora que me recordo, os especialistas em psicologia dos jovens, os conselheiros escolares, dizem que a maioria dos casos de suicídio adolescente eram garotos se estrangulando enquanto se masturbavam. Seus pais os encontravam, uma toalha enrolada em volta do pescoço, a toalha amarrada no suporte de cabides do armário, o garoto morto. Esperma por toda a parte. É claro que os pais limpavam tudo. Colocavam calças no garoto. Faziam parecer… melhor. Ao menos, intencional. Um caso comum de triste suicídio adolescente.

Outro amigo meu, um garoto da escola, seu irmão mais velho na Marinha dizia como os caras do Oriente Médio se masturbavam de forma diferente do que fazemos por aqui. Esse irmão tinha desembarcado num desses países cheios de camelos, onde o mercado público vendia o que pareciam abridores de carta chiques. Cada uma dessas coisas é apenas um fino cabo de latão ou prata polida, do comprimento aproximado de sua mão, com uma grande ponta numa das extremidades, ou uma esfera de metal ou uma dessas empunhaduras como as de espadas. Esse irmão da Marinha dizia que os árabes ficavam de pau duro e inseriam esse cabo de metal dentro e por toda a extremidade de seus paus. Eles então batiam punheta com o cabo dentro, e isso os fazia gozar melhor. De forma mais intensa.

Esse irmão mais velho viajava pelo mundo, mandando frases em francês. Frases em russo. Dicas de punhetagem.

Depois disso, o irmão mais novo, um dia ele não aparece na escola. Naquela noite, ele liga pedindo para eu pegar seus deveres de casa pelas próximas semanas. Porque ele está no hospital.

Ele tem que compartilhar um quarto com velhos que estiveram operando as entranhas. Ele diz que todos compartilham a mesma televisão. Que a única coisa para dar privacidade é uma cortina. Seus pais não o vem visitar. No telefone, ele diz como os pais dele queriam matar o irmão mais velho da Marinha.

Pelo telefone, o garoto diz que, no dia anterior, ele estava meio chapado. Em casa, no seu quarto, ele deitou-se na cama. Ele estava acendendo uma vela e folheando algumas revistas pornográficas antigas, preparando-se para bater uma. Isso foi depois que ele recebeu as notícias de seu irmão marinheiro. Aquela dica de como os árabes se masturbam. O garoto olha ao redor procurando por algo que possa servir. Uma caneta é grande demais. Um lápis, grande demais e áspero. Mas escorrendo pelo canto da vela havia um fino filete de vela derretida que poderia servir. Com as pontas dos dedos, o garoto descola o filete da vela. Ele o enrola na palma de suas mãos. Longo, e liso, e fino.

Chapado e com tesão, ele enfia lá dentro, mais e mais fundo por dentro do canal urinário de seu pau. Com uma boa parte da cera ainda para fora, ele começa o trabalho.

Até mesmo nesse momento ele reconhece que esses árabes eram caras muito espertos.

Eles reinventaram totalmente a punheta. Deitado totalmente na cama, as coisas estão ficando tão boas que o garoto nem observa a filete de cera. Ele está quase gozando quando percebe que a cera não está mais lá.

O fino filete de cera entrou. Bem lá no fundo. Tão fundo que ele nem consegue sentir a cera dentro de seu pau.

Das escadas, sua mãe grita dizendo que é a hora da janta. Ela diz para ele descer naquele momento. O garoto da cenoura e o garoto da cera eram pessoas diferentes, mas viviam basicamente a mesma vida.

Depois do jantar, as entranhas do garoto começam a doer. É cera, então ele imagina que ela vá derreter dentro dele e ele poderá mijar para fora. Agora suas costas doem. Seus rins. Ele não consegue ficar ereto corretamente.

O garoto falando pelo telefone do seu quarto de hospital, no fundo pode-se ouvir campainhas, pessoas gritando. Game shows.

Os raios-X mostram a verdade, algo longo e fino, dobrado dentro de sua bexiga. Esse longo e fino V dentro dele está coletando todos os minerais no seu mijo. Está ficando maior e mais espesso, coletando cristais de cálcio, está batendo lá dentro, rasgando a frágil parede interna de sua bexiga, bloqueando a urina. Seus rins estão cheios. O pouco que sai de seu pau é vermelho de sangue.

O garoto e seus pais, a família inteira, olhando aquela chapa de raio-X com o médico e as enfermeiras ali, um grande V de cera brilhando na chapa para todos verem, ele deve falar a verdade. Sobre o jeito que os árabes se masturbam. Sobre o que o seu irmão mais velho da Marinha escreveu.

No telefone, nesse momento, ele começa a chorar.

Eles pagam pela operação na bexiga com o dinheiro da poupança para sua faculdade. Um erro estúpido, e agora ele nunca mais será um advogado.

Enfiando coisas dentro de você. Enfiando-se dentro de coisas. Uma vela no seu pau ou seu pescoço num nó, sabíamos que não poderia acabar em problemas.

O que me fez ter problemas, eu chamava de Pesca Submarina. Isso era bater punheta embaixo d’água, sentando no fundo da piscina dos meus pais. Pegando fôlego, eu afundava até o fundo da piscina e tirava meu calção. Eu sentava no fundo por dois, três, quatro minutos.

Só de bater punheta eu tinha conseguido uma enorme capacidade pulmonar. Se eu tivesse a casa só para mim, eu faria isso a tarde toda. Depois que eu gozava, meu esperma ficava boiando em grandes e gordas gotas.

Depois disso eram mais alguns mergulhos, para apanhar todas. Para pegar todas e colocá-las em uma toalha. Por isso chamava de Pesca Submarina. Mesmo com o cloro, havia a minha irmã para se preocupar. Ou, Cristo, minha mãe.

Esse era meu maior medo: minha irmã adolescente e virgem, pensando que estava ficando gorda e dando à luz a um bebê retardado de duas cabeças. As duas parecendo-se comigo. Eu, o pai e o tio. No fim, são as coisas com as quais você não se preocupa que te pegam.

A melhor parte da Pesca Submarina era o duto da bomba do filtro. A melhor parte era ficar pelado e sentar nela.

Como os franceses dizem, Quem não gosta de ter seu cu chupado? Mesmo assim, num minuto você é só um garoto batendo uma, e no outro nunca mais será um advogado.

Num minuto eu estou no fundo da piscina e o céu é um azul claro e ondulado, aparecendo através de dois metros e meio de água sobre minha cabeça. Silêncio total exceto pelas batidas do coração que escuto em meu ouvido. Meu calção amarelo-listrado preso em volta do meu pescoço por segurança, só em caso de algum amigo, um vizinho, alguém que apareça e pergunte porque faltei aos treinos de futebol. O constante chupar da saída de água me envolve enquanto delicio minha bunda magra e branquela naquela sensação.

Num momento eu tenho ar o suficiente e meu pau está na minha mão. Meus pais estão no trabalho e minha irmã no balé. Ninguém estará em casa por horas.

Minhas mãos começam a punhetar, e eu paro. Eu subo para pegar mais ar. Afundo e sento no fundo. Faço isso de novo, e de novo.

Deve ser por isso que garotas querem sentar na sua cara. A sucção é como dar uma cagada que nunca acaba. Meu pau duro e meu cu sendo chupado, eu não preciso de mais ar. O bater do meu coração nos ouvidos, eu fico no fundo até as brilhantes estrelas de luz começarem a surgir nos meus olhos. Minhas pernas esticadas, a batata das pernas esfregando-se contra o fundo. Meus dedos do pé ficando azul, meus dedos ficando enrugados por estar tanto tempo na água.

E então acontece. As gotas gordas de gozo aparecem. É nesse momento que preciso de mais ar. Mas quando tento sair do fundo, não consigo. Não consigo colocar meus pés abaixo de mim. Minha bunda está presa.

Médicos de plantão de emergência podem confirmar que todo ano cerca de 150 pessoas ficam presas dessa forma, sugadas pelo duto do filtro de piscina. Fique com o cabelo preso, ou o traseiro, e você vai se afogar. Todo o ano, muita gente fica. A maioria na Flórida.

As pessoas simplesmente não falam sobre isso. Nem mesmo os franceses falam sobre tudo. Colocando um joelho no fundo, colocando um pé abaixo de mim, eu empurro contra o fundo. Estou saindo, não mais sentado no fundo da piscina, mas não estou chegando para fora da água também.

Ainda nadando, mexendo meus dois braços, eu devo estar na metade do caminho para a superfície mas não estou indo mais longe que isso. O bater do meu coração no meu ouvido fica mais alto e mais forte.

As brilhantes fagulhas de luz passam pelos meus olhos, e eu olho para trás… mas não faz sentido. Uma corda espessa, algum tipo de cobra, branco-azulada e cheia de veias, saiu do duto da piscina e está segurando minha bunda. Algumas das veias estão sangrando, sangue vermelho que aparenta ser preto debaixo da água, que sai por pequenos cortes na pálida pele da cobra. O sangue começa a sumir na água, e dentro da pele fina e branco-azulada da cobra é possível ver pedaços de alguma refeição semi-digerida.

Só há uma explicação. Algum horrível monstro marinho, uma serpente do mar, algo que nunca viu a luz do dia, estava se escondendo no fundo escuro do duto da piscina, só esperando para me comer.

Então… eu chuto a coisa, chuto a pele enrugada e escorregadia cheia de veias, e parece que mais está saindo do duto. Deve ser do tamanho da minha perna nesse momento, mas ainda segurando firme no meu cu. Com outro chute, estou a centímetros de conseguir respirar. Ainda sentindo a cobra presa no meu traseiro, estou bem próximo de escapar.

Dentro da cobra, é possível ver milho e amendoins. E dá pra ver uma brilhante esfera laranja. É um daqueles tipos de vitamina que meu pai me força a tomar, para poder ganhar massa. Para conseguir a bolsa como jogador de futebol. Com ferro e ácidos graxos Ômega 3.

Ver essa pílula foi o que me salvou a vida. Não é uma cobra. É meu intestino grosso e meu cólon sendo puxados para fora de mim. O que os médicos chamam de prolapso de reto. São minhas entranhas sendo sugadas pelo duto.

Os médicos de plantão de emergência podem confirmar que uma bomba de piscina pode puxar 300 litros de água por minuto. Isso corresponde a 180 quilos de pressão. O grande problema é que somos todos interconectados por dentro. Seu traseiro é apenas o término da sua boca. Se eu deixasse, a bomba continuaria a puxar minhas entranhas até que chegasse na minha língua. Imagine dar uma cagada de 180 quilos e você vai perceber como isso pode acontecer.

O que eu posso dizer é que suas entranhas não sentem tanta dor. Não da forma que sua pele sente dor. As coisas que você digere, os médicos chamam de matéria fecal. No meio disso tudo está o suco gástrico, com pedaços de milho, amendoins e ervilhas.

Essa sopa de sangue, milho, merda, esperma e amendoim flutua ao meu redor. Mesmo com minhas entranhas saindo pelo meu traseiro, eu tentando segurar o que restou, mesmo assim, minha vontade é de colocar meu calção de alguma forma.

Deus proíba que meus pais vejam meu pau.

Com uma mão seguro a saída do meu rabo, com a outra mão puxo o calção amarelo-listrado do meu pescoço. Mesmo assim, é impossível puxar de volta.

Se você quer sentir como seria tocar seus intestinos, compre um camisinha feita com intestino de carneiro. Pegue uma e desenrole. Encha de manteiga de amendoim. Lubrifique e coloque debaixo d’água. Então tente rasgá-la. Tente partir em duas. É firme e ao mesmo tempo macia. É tão escorregadia que não dá para segurar.

Uma camisinha dessas é feita do bom e velho intestino.

Você então vê contra o que eu lutava.

Se eu largo, sai tudo.

Se eu nado para a superfície, sai tudo.

Se eu não nadar, me afogo.

É escolher entre morrer agora, e morrer em um minuto.

O que meus pais vão encontrar depois do trabalho é um feto grande e pelado, todo curvado. Mergulhado na água turva da piscina de casa. Preso ao fundo por uma larga corda de veias e entranhas retorcidas. O oposto do garoto que se estrangula enquanto bate uma. Esse é o bebê que trouxeram para casa do hospital há 13 anos. Esse é o garoto que esperavam conseguir uma bolsa de jogador de futebol e eventualmente um mestrado. Que cuidaria deles quando estivessem velhinhos. Seus sonhos e esperanças. Flutuando aqui, pelado e morto. Em volta dele, gotas gordas de esperma.Ilustração do conto Vísceras

Ou isso, ou meus pais me encontrariam enrolado numa toalha encharcada de sangue, morto entre a piscina e o telefone da cozinha, os restos destroçados das minhas entranhas para fora do meu calção amarelo-listrado.

Algo sobre o que nem os franceses falam. Aquele irmão mais velho na Marinha, ele ensinou uma outra expressão bacana. Uma expressão russa. Do jeito que nós falamos “Preciso disso como preciso de um buraco na cabeça…”, os russos dizem, “Preciso disso como preciso de dentes no meu cu…”

Mne eto nado kak zuby v zadnitse.

Essas histórias de como animais presos em armadilhas roem a própria perna fora, bem, qualquer coiote poderá te confirmar que algumas mordidas são melhores que morrer.

Droga… mesmo se você for russo, um dia vai querer esses dentes.

Senão, o que você pode fazer é se curvar todo. Você coloca um cotovelo por baixo do joelho e puxa essa perna para o seu rosto. Você morde e rói seu próprio cu. Se você ficar sem ar você consegue roer qualquer coisa para poder respirar de novo.

Não é algo que seja bom contar a uma garota no primeiro encontro. Não se você espera por um beijinho de despedida. Se eu contasse como é o gosto, vocês não comeriam mais frutos do mar.

É difícil dizer o que enojaria mais meus pais: como entrei nessa situação, ou como me salvei. Depois do hospital, minha mãe dizia, “Você não sabia o que estava fazendo, querido. Você estava em choque.” E ela teve que aprender a cozinhar ovos pochê.

Todas aquelas pessoas enojadas ou sentindo pena de mim…

Precisava disso como precisaria de dentes no cu.

Hoje em dia, as pessoas sempre me dizem que eu sou magrinho demais. As pessoas em jantares ficam quietas ou bravas quando não como o cozido que fizeram. Cozidos podem me matar. Presuntadas. Qualquer coisa que fique mais que algumas horas dentro de mim, sai ainda como comida. Feijões caseiros ou atum, eu levanto e encontro aquilo intacto na privada.

Depois que você passa por uma lavagem estomacal super-radical como essa, você não digere carne tão bem. A maioria das pessoas tem um metro e meio de intestino grosso. Eu tenho sorte de ainda ter meus quinze centímetros. Então nunca consegui minha bolsa de jogador de futebol. Nunca consegui meu mestrado. Meus dois amigos, o da cera e o da cenoura, eles cresceram, ficaram grandes, mas eu nunca pesei mais do que pesava aos 13 anos.

Outro problema foi que meus pais pagaram muita grana naquela piscina. No fim meu pai teve que falar para o cara da limpeza da piscina que era um cachorro. O cachorro da família caiu e se afogou. O corpo sugado pelo duto. Mesmo depois que o cara da limpeza abriu o filtro e removeu um tubo pegajoso, um pedaço molhado de intestino com uma grande vitamina laranja dentro, mesmo assim meu pai dizia, “Aquela porra daquele cachorro era maluco.”

Mesmo do meu quarto no segundo andar, podia ouvir meu pai falar, “Não dava para deixar aquele cachorro sozinho por um segundo…”

E então a menstruação da minha irmã atrasou.

Mesmo depois que trocaram a água da piscina, depois que vendemos a casa e mudamos para outro estado, depois do aborto da minha irmã, mesmo depois de tudo isso meus pais nunca mencionaram isso novamente.

Nunca.

Essa é a nossa cenoura invisível.

Você.

Agora você pode respirar.

Eu ainda não.

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O Senhor dos Sonhos – Sonho ou Pesadelo nas Telonas?

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Essa semana minha irmã me perguntou toda animada: “Você viu que vai ter filme do Sandman?” É eu vi.

Como vocês, provavelmente, já devem saber, Joseph Gordon-Levitt vai produzir a adaptação de Sandman para as telonas.

Eu demorei um pouco pra começar a ler Sandman por um preconceito que sempre tive quanto aos desenhos. ImageA qualidade dos primeiros desenhistas de Sandman deixava muito a desejar e isso me incomodava. Até que um amigo me convenceu a ler o especial Noites Sem Fim, que comemora dez anos de término da série. Grandes nomes ilustram Noites Sem Fim como Milo Manara e Bill Sienkiewicz. Li. Me apaixonei. A partir desse momento li tudo que pude sobre Sandman, e depois li tudo que pude escrito por Neil Gaiman (ainda tem muito pra ler).

            Sandman é simplesmente sensacional. As histórias são envolventes e o que eu sempre achei incrível: na maioria das vezes ele NÃO é o personagem principal. Ele é muito importante para a trama, como no livro Caçadores de Sonhos, onde ele aparece primeiro como a Grande Raposa dos Sonhos no sonho da raposa, ensinando-a a caçar os sonhos do monge, e depois aparece como Rei dos Sonhos quando o monge decide salvar a raposa. Tudo que ele faz é ajudar os personagens principais, mas sem ele, a história não faria sentido.

            É óbvio que existem histórias focadas em Morpheus (um dos muitos nomes do Senhor do Sonhar), mas ler uma história em quadrinhos na qual William Shakespeare deve um favor ao Rei dos Sonhos em troca da inspiração que recebe enquanto dorme é simplesmente incrível. Principalmente quando Sonho pede pra que a companhia de teatro de Shakespeare apresente sua famosa peça Sonhos de Uma Noite de Verão para os próprios personagens da história como pagamento. Sim, a própria rainha das fadas, o rei dos elfos e companhia estão na platéia, criticando o roteiro e interpretações de si mesmos na trama.

            Mas filme? Sandman não tem cara de cinema. Sandman é aquele tipo de coisa tão (desculpem a palavra) FODA que parece que se for adaptado para cinema vai simplesmente estragar tudo. Dizem que a HBO quis fazer um seriado de Sandman. Esta seria uma idéia interessante, porque a história não ficaria presa a duas horas e, convenhamos, se tem alguém em quem podemos confiar para produzir um seriado é a HBO.

            Então desculpe se você é fã e está se mordendo de animação. Eu sou fã e estou com medo. A franquia Sandman é boa demais pra ser destruída por um erro de roteiro, direção, interpretação ou o que for. Espero sinceramente que Gordon-Levitt saiba o que está fazendo. Espero que Gaiman (que até agora não decepcionou) saiba o que está fazendo. Eu cruzo os dedos aqui, e você?

Nota do editor:

Para quem não conhece Sandman, conhecido também como Morpheus ou apenas Sonho ele é um dos personagens do selo adulto da DC Comics, Vertigo, e é uma das mais cultuadas obras de quadrinhos feitas, escrita por Neil Gaiman.

Essa semana Gordon-Levitt agradeceu no twitter o apoio dos fãs que se empolgaram com a noticia de sua direção do filme, mas que, a princípio, ele será apenas produtor do longa de Sandman.

As obras de Sandman lançadas no Brasil foram feitas em 10 arcos. A ordem dos arcos é:

 

  1.       Sandman: Prelúdios & Noturnos (The Sandman #1-8, 1988-1989)
  2.       Sandman: A Casa de Bonecas (The Sandman #9-16, 1989-1990)
  3.       Sandman: Terra dos Sonhos (The Sandman #17-20, 1990)
  4.       Sandman: Estação das Brumas (The Sandman #21-28, 1990-1991)
  5.       Sandman: Um Jogo de Você (The Sandman #32-37, 1991-1992)
  6.       Sandman: Fábulas & Reflexões (The Sandman #29-31, 38-40, 50, Sandman Special #1 and Vertigo Preview #1, 1991, 1992, 1993)
  7.       Sandman: Vidas Breves (The Sandman #41-49, 1992-1993)
  8.       Sandman: Fim dos Mundos (The Sandman #51-56, 1993)
  9.       Sandman: Entes Queridos (The Sandman #57-69 and Vertigo Jam #1, 1994-1995)
  10.       Sandman: Despertar (The Sandman #70-75, 1995-1996).

Observação: As datas acima são das publicações americanas.

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